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Rio Grande,14/07/2025

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Luiz Pereira das Neves Neto

Direito e Literatura: intersecções pedagógicas que nos ensinam a sentir o justo


Direito e Literatura: intersecções pedagógicas que nos ensinam a sentir o justo

O Direito, com toda sua rigidez normativa, muitas vezes parece distante da sensibilidade humana. Já a Literatura, com sua linguagem poética e simbólica, mergulha profundamente nas emoções, conflitos e contradições da existência. Mas o que acontece quando esses dois campos se encontram? O que pode nascer da fusão entre o raciocínio jurídico e a imaginação literária? Nas intersecções pedagógicas entre Direito e Literatura, há espaço para formar não apenas operadores da norma, mas sujeitos mais atentos à dor do outro, à desigualdade social, à complexidade do que é justo.


Quando lemos Vidas Secas, de Graciliano Ramos, por exemplo, nos deparamos com uma família de retirantes que é desumanizada pelo sistema e pela própria seca — a miséria ganha forma jurídica quando percebemos que aquelas personagens não têm acesso a direitos mínimos, como educação, moradia e alimentação. Fabiano, analfabeto e trabalhador explorado, é vítima de um Estado que mais oprime do que protege. Como não refletir, em sala de aula, sobre o papel do Direito diante dessas vidas invisibilizadas?


Em O Auto da Compadecida, Ariano Suassuna mistura o cômico e o trágico para apresentar um Nordeste carregado de injustiças, mas também de astúcia popular. João Grilo, o protagonista, é uma figura que transita entre a marginalidade e a sabedoria popular. Ao manipular as regras e subverter a lógica do poder, João nos provoca a pensar: até que ponto o Direito é acessível a todos? E qual o lugar da compaixão — simbolizada por Nossa Senhora — no julgamento humano e jurídico?


Machado de Assis, em Memórias de um Canário, nos oferece uma crítica sutil sobre o autoritarismo e a futilidade das relações sociais. A história do canário que ganha voz e expõe os vícios de seus donos pode parecer leve, mas é um espelho das opressões veladas — um animal tratado com mais importância que seres humanos em situação de pobreza. Que tipo de cidadania cultivamos quando os direitos são aplicados com base na aparência, na classe ou na conveniência?


Por fim, A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, nos rasga por dentro. Macabéa, personagem apagada e sem protagonismo, vive no limite da sobrevivência, alheia à própria tragédia. Sua vida se esvai sem que ela compreenda que tinha direitos — ou mesmo que merecia existir com dignidade. É possível pensar em um Direito verdadeiramente democrático quando há tantas Macabéas que nem sequer sabem nomear sua dor?


Essas obras não apenas ilustram conceitos jurídicos, mas, mais que isso, despertam a consciência crítica, a empatia e o senso de justiça social. Ao trazermos a Literatura para os espaços de ensino jurídico, estamos formando profissionais mais humanos, mais éticos e mais conscientes de que aplicar a lei não é o mesmo que fazer justiça.


Afinal, será que o Direito, sozinho, basta para entender o mundo? Ou será preciso também escutar os silêncios, os corpos e as vozes que a Literatura nos empresta?


Prof. Me. Luiz Pereira das Neves Neto

Doutorando em Letras (FURG) – Mestre em Direito e Justiça Social



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