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Rio Grande,18/05/2024

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Samuel Ferreira

Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro

Toda essa organização e sistematização de sociedade em classes, com requintes fortíssimos de estrutura racial, nunca foi posta à baila, ou seja, a reparação de modo oficial nunca aconteceu.


Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro

Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro


Quando Marcelo Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana, o Marcelo Yuka (1965 – 2019) compôs Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro em 1994, estava na verdade realizando um diagnóstico profundo não somente de um Rio de Janeiro e de seu apartheid, mas de um Brasil, uma sociedade que foi construída com bases no colonialismo europeu, através de um modelo de exploração de plantation e de escravização das populações indígenas que aqui estavam no que seria o território brasileiro e na escravização de milhões de africanos (de diversas etnias) que foram raptados, trancafiados, comercializados e explorados de todos os modos por essas terras. Essa prática durou mais de 350 anos, era extremamente rentável para a economia da época, foi apoiada pela Igreja Católica, pela ciência do século XVIII e XIX e pelas principais autoridades da época.


Todo camburão tem um pouco de navio negreiro ....


Toda essa organização e sistematização de sociedade em classes, com requintes fortíssimos de estrutura racial, nunca foi posta à baila, ou seja, a reparação de modo oficial nunca aconteceu. Sabemos que a Lei Áurea de 1888, que declarou o fim da escravidão, nunca resolveu realmente os problemas de uma sociedade extremamente racializada e que nunca permitiu que a população negra e também indígena, tivesse acesso a devida humanização por parte do Estado e dessa mesma sociedade. Todos os espaços e oportunidades que a população negra deveria ter tido acesso com o fim da escravidão, foram automaticamente repassadas para os imigrantes europeus, logicamente brancos, que tiveram a permissão do Estado  brasileiro de serem cidadãos. Aos negros e negras, à margem, o descaso, a omissão e a violência por parte do Estado. 


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 Por parte da república que nasceu em 1889 com promessas de que a sociedade brasileira teria uma perspectiva mais civilizada no que tange aos sujeitos , essa transformação não aconteceu. Pudera! Essa mesma república na verdade nasceu de um golpe militar realizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 1889. O que esperar de uma república que nasce de um golpe militar ?


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Por mais que a Lei de Aberdeen (1845) proibisse o trafico escravo no Atlântico, a Lei Eusébio de Queirós (1850) proibisse o trafico de escravizados no território brasileiro, a Lei do Ventre Livre (1871) afirmasse que mães escravizadas teriam filhos livres, Lei dos Sexagenários (1885) dizia que todos os escravizados a partir de 60 anos eram livres (mesmo a maioria dos escravizados não conseguirem chegar aos 30 anos de idade) e a Lei Áurea (1888) viesse declarar o fim da escravidão, o Estado brasileiro  assim como em seu período colonial nunca teve vontade política de acabar com o racismo estrutural, pois o mesmo sempre foi rentável.


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Especula-se que entre 1550 até 1888, cerca de 4,8 milhões de homens e mulheres negras foram trazidas à força do continente africano para a América do Sul. Ressaltamos os milhões que morriam acorrentados nos navios tumbeiros e eram praticamente arremessados no oceano. Desse processo violento, não é por acaso que o Brasil é o segundo país no mundo com a maior população negra, perdendo somente para a Nigéria.  Nesses anos todos, poucas coisas mudaram em nossa sociedade, tendo em vista que o Estado ainda segue enxergando a população negra como criminosa, mesmo quando a mesma população negra é vítima da violência racista imposta pela branquitude. 


Todo camburão tem um pouco de navio negreiro ...


No dia 17 de fevereiro de 2024, em Porto Alegre, um homem negro foi violentado por um homem branco. A princípio o homem branco cortou o homem negro com um canivete. Após o ocorrido, o homem negro chamou a polícia para fazer boletim de ocorrência e o mesmo sofreu danos por abuso de autoridade por parte da Brigada Militar. Vídeos demonstram um tratamento cordial e zeloso com o violentador, o homem branco. Já a vítima, o homem negro, além de ter sido violentado pelo homem branco, recebeu um tratamento agressivo, violento e ríspido por parte dos policiais. 


Todo camburão tem um pouco de navio negreiro ...


Por mais que muitos anos tenham se passado e tenhamos mais de 100 anos de república, percebemos que o Estado não atualizou a sua forma de perceber e atuar como agente que reprime os negros e trata com cordialidade os brancos. A estrutura racial em nosso país, se pudéssemos fazer a comparação com uma casa,  não está somente no alicerce. Ela está no alicerce, nas paredes, nas aberturas, no telhado , no reboco, na pintura e em todos os lugares. A polícia ainda age da mesma forma que agia o feitor e o capataz na colônia, supervisionando os escravizados e fazendo com que a ordem escravagista e racial permanecesse intacta. A Guarda Real de Polícia foi criada por Dom João VI para isso, para proteger a família real por essas bandas brasileiras. Guardadas as proporções, devemos nos questionar: quem a polícia protege ? Quem a polícia violenta? Quem o Estado marginaliza ? De quem o Estado se omite ? 

Se a polícia é uma instituição racista na sua formação e prática, é porque recebe do Estado essa permissão. A polícia é o Estado. Se o Estado é racista, sua polícia também será. O Estado e a Polícia precisam ser reformados. Como pode algo que foi feito para proteger ser usado para eliminar e trucidar ? O Estado não pode mais violentar, humilhar e matar o seu povo.


Todo camburão tem um pouco de navio negreiro ...



Samuka,  apaixonado por coisas inúteis como livros, vinis, filmes e brinquedos.



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