Hospital Escola e UFPel lançam programa voltado à saúde da população trans
O PRODIVERSA terá encontros mensais sobre identidade, direitos, saúde mental e práticas acolhedoras no SUS

O Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), lançou na sexta-feira, 27, o Programa de Educação Continuada em Diversidade e Saúde (PRODIVERSA). Voltado a profissionais, estudantes e população interessada na temática, o lançamento foi realizado no Auditório Central do Hospital com o tema “Identidade de Gênero e Diversidade”.
O programa é fruto da parceria entre o Ambulatório Multidisciplinar de Pessoas Trans e a Unidade de Saúde Mental do HE-UFPel, junto ao Programa de Residência Médica em Endocrinologia da UFPel. A proposta é simples, mas poderosa: promover espaços abertos de formação continuada para ampliar o respeito, a empatia e o cuidado ético com a população trans. Trata-se de uma ação educativa baseada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), pensada tanto para quem cuida quanto para quem quer aprender a acolher com mais consciência.
Durante o encontro de abertura, a equipe organizadora apresentou conceitos fundamentais: identidade de gênero, orientação sexual, expressão de gênero e sexo biológico. Participaram da atividade os profissionais do HE-UFPel e idealizadores do programa: a psiquiatra Nicolle Roswag, o psiquiatra convidado Gustavo Rosa, a psicóloga Roberta Dutra, o endocrinologista Jivago Lopes, a assistente social Mariângela Gonzales e a enfermeira Fátima Garcia.
Por que o PRODIVERSA é necessário?
“A saúde é um direito de todos. Para garantir esse direito de forma justa, é essencial que cada profissional esteja preparado para acolher e atender pessoas trans com respeito, ética e conhecimento", explicou Nicolle Roswag, psiquiatra. Pessoas trans enfrentam, todos os dias, barreiras que vão muito além da porta dos serviços de saúde. A falta de preparo e de escuta qualificada ainda é um obstáculo comum, que gera exclusão e sofrimento. O PRODIVERSA nasce para mudar essa realidade, apostando na educação como ferramenta de mudança.
Construindo uma rede de cuidado e respeito
Durante o lançamento do PRODIVERSA, os profissionais reforçaram que o cuidado com a população trans envolve mais do que oferecer serviços de saúde. É um processo que inclui a revisão de práticas assistenciais, o fortalecimento de vínculos e a criação de ambientes seguros e acolhedores. A proposta está alinhada aos princípios do SUS e à promoção dos direitos humanos, contribuindo para qualificar o atendimento e reduzir desigualdades no acesso à saúde.
A assistente social Mariângela Gonzales destacou: “Garantir um atendimento de saúde que supere o preconceito e a discriminação exige mudanças de valores, baseadas no respeito às diferenças. Nesse contexto, o Serviço Social tem como principal objetivo proteger os direitos dessa população historicamente vulnerabilizada. Vale lembrar que o SUS também foi construído com a participação da população trans, por meio de movimentos sociais durante a reforma sanitária na década de 1970.”
Desafios e desigualdades no cuidado
O endocrinologista e preceptor Jivago Lopes explicou que o acompanhamento endocrinológico exige estrutura e preparo. Segundo ele, um dos principais desafios enfrentados pela população trans é o acesso desigual aos serviços especializados. “No Brasil, esses serviços ainda são poucos, e a maioria está concentrada nas capitais, o que dificulta o cuidado contínuo para quem vive fora dos grandes centros urbanos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o nosso ambulatório em Pelotas representa uma das poucas referências fora da capital, com residência e serviço estruturado no interior. Isso evidencia o quanto a oferta ainda é desigual.”
Além disso, o endocrinologista ressaltou que a falta de formação adequada entre os profissionais de saúde e a ausência de insumos básicos comprometem a segurança do tratamento.
“Muitos profissionais não foram preparados para lidar com as especificidades do cuidado trans, seja na atenção básica ou nos níveis mais especializados. O uso de hormônios exige acompanhamento criterioso, com acesso a exames laboratoriais e medicações padronizadas. No entanto, há escassez frequente de insumos e muita variação regional, o que compromete a adesão ao tratamento e aumenta os riscos clínicos”, disse.
O preconceito estrutural também afasta usuários dos serviços de saúde. Para Jivago, “mesmo com avanços, a transfobia institucional e o despreparo no acolhimento ainda afastam muitas pessoas, gerando sofrimento e quebra de vínculo. Oferecer uma hormonização segura, científica e respeitosa no SUS exige mais do que prescrever medicamentos: requer estrutura, acesso regular a insumos, profissionais capacitados e um ambiente verdadeiramente acolhedor.”
Como participar?
Os encontros são mensais, sempre na última sexta-feira do mês, às 10h30, com duração aproximada de duas horas. São oferecidas cerca de 30 vagas por encontro, e as inscrições podem ser feitas no local.
Confira as temáticas:
- Direitos sociais e acesso à rede de proteção: “Meu nome, minha história, meus direitos” – nome social, retificação de documentos, políticas públicas e programas sociais.
- Processo de hormonização e acompanhamento endocrinológico: informações sobre tipos de hormonização, riscos, benefícios, exames e acompanhamento no SUS.
- Saúde mental da população trans: “Cuidar da mente também é resistência” – prevenção ao suicídio, estratégias de enfrentamento, acolhimento em saúde mental.
- Sexualidade, prazer e prevenção de ISTs: uso de preservativos, PrEP/PEP, exames regulares e o direito ao prazer com segurança.
- Enfrentamento da transfobia e violências: “Dizer não à violência é um ato coletivo” – suporte institucional, redes de apoio e estratégias de autocuidado.
- Saúde ginecológica e urológica de pessoas trans: “Todo corpo precisa de cuidado” – saúde sexual e reprodutiva, rastreamento de câncer e infecções.
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