Gabriel Veríssimo
Ainda Estou Aqui: um filme que não precisa do Oscar
Walter Salles cria, novamente, um filme digno de Oscar. A intensa campanha de Ainda Estou Aqui pelos mais prestigiados festivais de cinema do mundo e a corrida pelo principal prêmio da indústria cinematográfica estadunidense geraram uma expectativa sobre o cinema nacional que não era vista desde o lançamento de Bacurau, em 2019.
Não vou negar que essa busca incansável pelo reconhecimento internacional do nosso cinema sempre me deixa com um pé atrás. Pois ser digno de Oscar não significa, necessariamente, que o filme seja espetacular, mas que se encaixa em um padrão de gosto específico. Assim, o medo de ver uma fórmula padrão, que nos representa de maneira estereotipada para o estrangeiro é inconsciente e crônico, mas é justificado pelos inúmeros casos desse tipo presentes no portfólio nacional.
Porém, acabei deixando esse sentimento de lado e me permiti criar expectativas para o filme, especialmente por conta da escalação de Fernanda Torres. Sei que não é ideal assistir a um filme com expectativas, mas, dessa vez, resolvi me deixar levar. Afinal, não é todo dia que nós, brasileiros, nos engajamos com uma obra nacional dessa forma. E, de certa forma, foi a escolha certa.
Fernanda Torres está brilhante. Desta vez, a atriz protagoniza um filme de Walter Salles, assumindo o papel central e, simbolicamente, a posição de sua mãe na disputa pelo prêmio de Melhor Atriz. O diretor constrói a narrativa de forma a manter sua atuação sempre em evidência, tornando o filme essencialmente um estudo de personagem.
Ainda Estou Aqui não é sobre a ditadura civil-militar ou o desaparecimento de Rubens Paiva — pelo menos, não como foco principal. Trata-se, na verdade, de uma obra sobre uma mãe enlutada e desesperada, tentando lidar com sua dor enquanto protege e cuida de seus filhos. É, acima de tudo, um filme sobre Eunice.
No primeiro ato, Salles filma a euforia a partir da presença. A presença de felicidade, amor e leveza, mesmo em meio ao contexto opressor da ditadura. Essa presença ganha forma na figura de Rubens Paiva, brilhantemente interpretado por Selton Mello, que consegue sintetizar esses sentimentos em um único personagem. As conversas calorosas dentro de casa, os sorrisos das pessoas, e a atmosfera leve contagiam o público, e tudo isso constrói o terreno para nos preparar para o verdadeiro tema do filme: a ausência.
É na ausência que o filme realmente se estabelece. Para mim, a melhor cena de Ainda Estou Aqui é quando Rubens é levado de casa pelos militares. Tudo ali é impecavelmente construído por Salles, com destaque para o último olhar de Rubens para Eunice. Todos nós sabíamos o que aconteceria a partir dali, assim como os personagens. Essa conexão entre o público e Eunice é devastadora, tornando esse o momento mais impactante e poderoso do filme.
Com essa virada de chave, o foco do filme se volta para Eunice Paiva: seu mundo desmorona, mas ela precisa resistir pelos filhos. É nesse momento que o brilhantismo da atuação de Fernanda Torres se evidencia. Ela dá vida a Eunice, uma mulher obrigada a ocultar seus sentimentos da família. Com sutileza e intensidade, Torres transmite a força de alguém que não pode viver plenamente o luto pelo desaparecimento do marido, porque sua prioridade absoluta é proteger os filhos.
A partir disso, acredito que o filme se sustenta muito bem. A história retrata como é cruel e angustiante o impacto de lidar com o desaparecimento de um familiar. A família vive um luto em que a aceitação nunca chega completamente, especialmente no caso de Rubens Paiva, o qual o corpo, sabemos, jamais foi encontrado.
Portanto, dentro de sua proposta, o filme é muito bem executado. Ele consegue sustentar o peso das responsabilidades e dos sentimentos de Eunice por meio da narrativa. Acredito que Salles utilize muito bem o tempo dos planos, especialmente nas cenas focadas na protagonista. É uma obra que nos sensibiliza com a ausência após ter nos feito sorrir com a presença.
Por último, quero dizer que uma das certezas que tenho em relação às expectativas criadas é que nem Ainda Estou Aqui nem Fernanda Torres precisam ser validados pelo Oscar ou por qualquer prêmio da indústria estrangeira. O que realmente importa é que nós, o público brasileiro, estejamos felizes e satisfeitos. Isso, por si só, já é o suficiente.
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