Laura Cosme
A cobertura que não terminou: um ano após a enchente de 2024

Há doze meses, o Rio Grande do Sul estava vivenciando a pior tragédia climática de sua história, mortes, cidades destruídas, famílias sem esperança. O clima de dor e tristeza tomava conta de todo o país. Na Cidade do Rio Grande, além do sofrimento coletivo que abalou o estado, um sentimento particular pairava no ar: a incerteza. Não se sabia até onde a água poderia chegar. Enquanto Porto Alegre e outras cidades da região metropolitana já lidavam com alagamentos severos, o sul do estado vivia dias de tensão diante do avanço da Lagoa dos Patos.
Para quem viveu a enchente de perto, ela sempre deixará marcas. Para quem cobriu a enchente de perto, essa pauta nunca será encerrada. Não há como encerrar uma pauta que ainda está em curso, sobretudo, devido a falta de políticas públicas que ainda não deram conta da prevenção. A cobertura da enchente é, na verdade, um compromisso contínuo com a memória, com a verdade e com a busca por respostas.
Passado um ano, o sentimento que persiste é o de indignação. Os projetos estruturantes do governo estadual, essenciais para mitigar futuras catástrofes, têm esbarrado na burocracia que o próprio governador criticou em discursos. O estado ainda está longe de se tornar resiliente diante de uma nova chuva intensa. Diante deste cenário, é evidente que a enchente não foi apenas um fenômeno natural, pois a tragédia revelou negligências acumuladas ao longo dos anos e escolhas políticas que priorizam medidas imediatistas em detrimento de ações estruturais.
Na Cidade do Rio Grande, por exemplo, moradores seguem em áreas de risco, como nas imediações do Arroio das Cabeças, vulneráveis a uma nova inundação. Desde 2015, se fala em um plano de realocação, mas a realidade dessas famílias permanece a mesma: vulneráveis a novas inundações.
Na Ilha dos Marinheiros, o sentimento de abandono também persiste. Além do isolamento durante o período da enchente, após um ano, os moradores da localidade seguem se sentindo isolados, com uma ponte, com aproximadamente 150 metros de extensão, sem sinais concretos de recuperação ou prazos definidos. Como seguir a vida em um lugar onde se vive, mas também se sente preso? Troca a administração, buscam verbas federais, mas o problema permanece. E, afinal, de quem é a responsabilidade por cobrar uma solução? A pergunta segue sem resposta. O que há, de fato, é a constatação de que as consequências das tragédias climáticas seguem sendo ignoradas.
A cobertura continua
Como jornalistas, também sentimos a angústia de transformar a dor alheia em notícia. Depois que as câmeras se desligam, o que fazemos com tudo o que vimos, ouvimos e sentimos? A sensação é que o assunto nunca se esgota e é nesse momento que a cobertura continua, nos relatos que voltam, nas reportagens que cobram justiça, nas novas histórias que emergem daqueles que sentem na pele o sentimento de abandono.
Após um ano, cabe a nós, não permitir que essa memória se apague, porque uma enchente como a de 2024 não termina quando a água escoa, ela segue viva nas cicatrizes das cidades e na responsabilidade coletiva de evitar que se repita. Um ano depois, o que resta é o dever de lembrar, não por saudosismo, mas por responsabilidade.
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