André Zenobini
Tempo Rei e o vigor de Gilberto Gil
Reunindo 30 mil pessoas em Porto Alegre, Gil cantou por quase 3h e mostrou cada motivo que o tornam um dos maiores artistas do país.
O Estádio Beira-Rio foi palco de uma noite que transcendeu o conceito de espetáculo. Na noite de 6 de setembro de 2025, véspera das comemorações de Independência do Brasil, Gilberto Gil subiu ao palco com a turnê “Tempo Rei” e ofereceu ao público gaúcho não apenas um show, mas uma verdadeira aula de afeto, memória e resistência cultural.
A apresentação carregava um peso emocional inegável já que foi o primeiro grande show após a perda de sua filha, Preta Gil, vítima de câncer em julho. E mesmo diante de mais uma dor, Gil mostrou por que é um dos maiores artistas da história brasileira. Aos 83 anos, com serenidade e vigor, ele transformou o luto em homenagem, especialmente ao cantar “Drão”, música composta para Sandra Gadelha, mãe de Preta. No palco, Gil, relembrou a última vez que cantou a canção com a filha, chamando-a de “Pretinha”.
O setlist foi um desfile de clássicos: “Palco”, “Refazenda”, “Expresso 2222”, “Andar com Fé”, “Aquele Abraço” e “Toda Menina Baiana” embalaram os corações das 30 mil pessoas presentes no estádio. Cada faixa parecia escolhida a dedo para costurar a trajetória de Gil com a história do Brasil.
Embora tenha começado o show dizendo que o tempo pesa, Gil mostrou vigor e entusiasmo ao cantar e dançar por quase três horas. Como um dos defensores da democracia brasileira, um dos pontos altos do show foi na canção Cálice. A música censurada pela ditadura militar foi aberta com uma declaração de Chico Buarque. O público não se aguentou e bradou “sem anistia!” antes mesmo do início da canção.
Aliás, o protesto foi visto por diversas vezes ao longo da noite. Antes do show começar, o público já gritava as palavras de ordem. A saída de boa parte do público do estádio também foi acompanhada pelo canto.
Gil não esteve sozinho. A participação surpresa de Adriana Calcanhotto em “Punk da Periferia” foi um presente para os fãs. A banda, composta por filhos e netos, reforçou o caráter familiar e afetivo da turnê. Quem esperava um show intimista, se enganou. A mega estrutura e pirotecnia tornaram cada detalhe ainda mais significativo.
Gil não é apenas um cantor, é um pensador, um ex-ministro da Cultura, um imortal da Academia Brasileira de Letras. Sua despedida dos grandes palcos e turnês com “Tempo Rei” é um gesto de generosidade que ele compartilha com o público não só sua música, mas sua história.
O show em Porto Alegre, na véspera da independência do Brasil, não foi apenas um show musical. Foi um lembrete de que soberania e democracia são inegociáveis. Por fim, o tempo pode ser rei, mas Gilberto Gil é eterno.




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